Sem gelo

16 de abr. de 2010 - não enviada por Graci
Eu queria ter bebido menos para lembrar mais.

Quando te vi esperando por mim, em meio ao salão lotado de corações cheios de uma felicidade que não se mensura, abandonei o medo que sentia pelo reencontro e dei razão ao desespero de não saber como chegar até você e dizer que, sim, eu queria, que tinha sido uma tola, que é assim que eu sou mesmo movendo todas as minhas forças para alimentar a inteligência e a perspicácia que me fizeram eu aos seus olhos, uma farsa, saiba.

O vestido preto de seda, sem decote e sem bordado, descombinando com a flor negra dos cabelos e o batom vermelho dos lábios, refletia a angústia ou sabe-se lá qual nome se dá àquele desespero premeditado, reflexo de uma adolescência tardia em meio ao avanço da velhice do começo dos vinte. Abaixei os olhos e me concentrei no vermelho das unhas, sempre um disfarce, um bom disfarce. De costas para você por medo de enxergar o que não tinha visto até então, me restava o colorido mundinho de um pedaço de mim que não se refletia no meu âmago. “Unhas vermelhas e um coração sem cor”, lembro bem, constatei.

As flores da mesa, coloridas e mortas, me fizeram companhia, solidárias. Despetalei algumas, sem querer, sem ser rancorosa ou demonstrar inveja pela beleza que alimentava a competição velada que crescia entre nós. E, veja só, não foi suficiente. As pontas dos dedos roçavam umas as outras, as conversas se perdiam sem passar do começo, o tempo corria e o desespero por não saber como falar a você tomava conta de todo o cenário. Não fosse o uísque e o apagar das luzes, não teria coragem, então não posso me lamentar por esquecer aquilo que deveria ter guardado na lembrança e por não ter em mim os reflexos vivos de seus olhos castanhos.

Foram quatro anos de espera por aquele beijo que não sei como começou, você me disse, lembro bem. No desespero de reencontrar todas as vontades que ficaram esquecidas nos poemas do primeiro encontro, ainda repasso pela minha face as minhas mãos como se fossem as suas, querendo eternizar as minhas feições duras de quem não sabe revelar o que sente. Do tudo, ficou pouco, muito pouco, quem sabe o suficiente, não sei, não lembro, não sei bem se fui eu que disse o adeus ou foram as circunstâncias. Não tenho como saber.

Queria ter bebido menos para lembrar mais de você, de nós dois, de tudo, saiba.

5 Response to "Sem gelo"

  1. Unknown Says:

    Eu li antes.

    ;)

  2. Camila Rufine Says:

    Essa é a graci que eu conheço e pago pau...

    :)

  3. Paula de Assis Fernandes Says:

    Lindo. Bom demais poder eternizar algo assim... E ninguém faria de maneira tão mais perfeita. Te amo, trenzim!

  4. Michele S. Silva Says:

    Graziiiiii.
    Lindo, perfeito.
    Adoro o que vc escreve!
    Beijos.

  5. Michele Matos Says:

    Nossa Graci! Benze a Deus!